O despertar da virtude inovadora nas empresas: por quê e para quê?

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“Se você quiser construir um navio, não chame os homens [sic] para buscar madeira, preparar ferramentas e distribuir trabalhos, mas antes ensine-os a amar o infinito que é o mar”.
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Antoine de Saint Èxupery

 

No fundo, esse artigo sobre o despertar da virtude inovadora é uma conversa sobre ver o mar. Mas como pode parecer papo de doido falar isso assim, vamos navegar um pouquinho nas ondas e quem sabe, quebrada a rebentação, podemos nos encontrar no sentido do que queremos dizer, naquele lugar da calmaria das marés sutis mas muito presentes.

Um dos princípios que apoia as ideias exploradas neste texto é o de que uma organização é um organismo vivo: um ser vivo formado por outros seres vivos. Entendemos que somente assim seria lícito falar em despertar da virtude inovadora de cada indivíduo, no contexto das empresas. 

Virtudes, diferente de dons, são conquistadas pela prática disciplinada. Essa prática permite a abertura de novas possibilidades. Os alpinistas que hoje chegam ao Himalaia foram precedidos por outros que, dotados da virtude desenvolvida pela prática, venceram o medo da morte e outros desafios. Alguém olhou para o cume, viu que a conquista era uma realidade possível, se preparou… e fez. Depois do feito, muitos puderam se beneficiar.

Sabemos que quanto mais complexos, mais desafiantes os processos que sustentam a vida de um organismo. A vida é movimento no tempo e no espaço ou, dito de outra forma, a vida é um conjunto de processos sequenciais e simultâneos. Existem processos de vida internos (atividades intrínsecas como digestão, crescimento, reprodução) e externos (por exemplo, que correspondem à interação do organismo com o meio em que vive). Tal como nos organismos, nas empresas também existem processos de desenvolvimento que conduzem a formas cada vez mais complexas. 

Pelos sinais que se podem ler no grande e confuso cenário que estão postos para o mundo neste início de década, a capacidade de inovar passou a ser o desafio de todas as organizações. Antigos modelos sucumbiram diante de transformações abruptas. Estamos agora no ponto de também discutir o conceito de inovação, pois as interpretações são variadas. 

Em nosso trabalho como consultores, por vezes, somos instados a apoiar processos de mudança de cultura, identificar valores, criar visões de futuro, missão, enfim, o que se convencionou chamar de elementos da identidade da organização. Falamos de um elemento abstrato “organização”, mas às vezes esquecemos que sua vida é a vida que vive no conjunto das pessoas que a formam. E é daí que surge o despertar da virtude inovadora. 

Então, percebemos que grande parte dos gestores ainda estão capturados por um modo de pensar linear – em que há o mindset de que uma consequência tem uma respectiva causa, por exemplo – ou, quando muito, de um modo de pensar sistêmico – em que se percebe que as coisas têm relação umas com as outras – mas não necessariamente há a compreensão profunda de que a causa de algo pode ser exatamente a consequência deste mesmo algo, por exemplo. 

No estágio em que estamos, falar em desenvolver uma cultura de inovação pode correr o risco de se tornar uma afirmação vã: uma cultura somente pode ser desenvolvida se houver terreno fértil dentro da organização. E, portanto, dentro das pessoas, de cada indivíduo. Por outro lado, muitas vezes as empresas cultivam o que podemos chamar de “anti-cultura”, no que toca a um ambiente criativo. Um ambiente onde há ausência de transparência, excesso de controle, trabalho sem sentido ou significado, desconfiança e pouca autonomia entre outros. Nesse tipo de ambiente, a criatividade não brota. A ocorrência desses fenômenos talvez indique que a empresa não tem maturidade para iniciar um programa de inovação. Um bom diagnóstico tendo como base um olhar apurado para os fenômenos organizacionais sutis é o ponto de partida para fomentar um ambiente criativo. 

O que denominamos acima de pensar sistêmico está na direção do pensar criativo, mas ainda não o é necessariamente. Com um pensar sistêmico ainda não se alcança a compreensão de algo orgânico. Um sistema é composto por partes, enquanto um organismo é uma totalidade, onde o todo está presente em cada uma de suas partes. Um sistema não precisa ser olhado com amor, mas um organismo sim: ele é sensível, caloroso e se move em direção ao futuro, procurando expressar esse seu todo. Alcançar a visão do todo é um lugar de princípio da criação. Pela falta de um olhar atento e treinado, a compreensão escapa e o organismo definha e morre. 

O despertar da virtude inovadora começa com a mudança da forma de pensar no indivíduo. Na época da “IA” (inteligência artificial) tornamo-nos todos inteligentes e cada vez mais bem informados, capazes de combinar dados e gerar inputs: desenvolvemos um pensar com características mais reflexivas. Vivemos na aparência das coisas juntando mais informações, o que no máximo permite refletir sobre elas. Mas não necessariamente penetrar na sua essência. Nossos modelos mentais formam o senso comum ou o mainstream. Esses modelos reúnem, classificam informações e oferecem caminhos que, em geral, nos levam aos mesmos lugares conhecidos ainda que repaginados. 

De outro lado, o pensar criativo ousa imaginar o que quer emergir a partir do futuro. Diferente portanto do pensar reflexivo, que está apoiado em conceitos que vem – e sustentam – o antigo. Imaginar aqui não é o mesmo que fantasiar, muito pelo contrário. O pensar imaginativo é um estágio mais elevado do pensar, cuja chave é o exercício do olhar apurado naquilo que é para depreender aquilo que quer vir a ser. Enxergar os processos de vida em movimento, abarcando suas tensões, polaridades e paradoxos passa a ser uma nova fronteira do pensar. As organizações estão em busca de novas formas porquanto são organismos que se movem em direção ao futuro.  Para isso é necessário abrir-se para novos conceitos, para o novo. Inovar.

Mencionamos acima que a vida transcorre no tempo e no espaço: isso é um fato, não um conceito. Assim, a vida das empresas corre em direção a um futuro, e no curso da sua vida elas interagem com o ecossistema do território onde elas se inserem.  Esse espaço, o dos encontros, é o espaço da inovação, da criação. Há uma zona de tensão criativa circunscrita pelo encontro dos processos internos e externos. As empresas interagem com o mundo no decorrer do tempo, elas se movem buscando meios de produzir novas formas. Portanto, é nesse permanente vir a ser que pode emergir a criação do novo para o despertar da virtude inovadora.

E como enxergar isso? Treinando sistematicamente o olhar. Uma atitude interessada, paciente e uma intenção vigorosa permite que o olhar se abra para novas possibilidades. Que de fato estão ali, diante do olhar. Assim, processos, formas e movimentos que antes estavam ocultos podem se revelar. 

O futuro não é um lugar que estamos indo, mas um lugar que estamos criando, e esse lugar, antes, deve ser preenchido pela nossa consciência. 

Estando de posse desses princípios, que podem parecer polares, por exemplo, vivo e sistêmico, reflexivo e criativo, olhar e ver, podemos dar mais um passo no desenvolvimento da virtude inovadora. Acima de tudo seria necessário compreender que esses princípios não estão em oposição entre si, mas são fases de um processo de conquista de novas capacidades, essenciais para quem está em busca dessa virtude. E não estamos todos? Em busca da nossa capacidade intrínseca que nos torna humanos, que é a de expressarmos nossa potência criativa no mundo?

Mas cuidado. Há um inimigo à espreita dentro de cada um. Uns chamam de crenças limitadoras. É importante lembrar sempre de que aquilo que acreditamos não é tão importante quanto a capacidade de ver o que está à nossa volta. Será que somos capazes de, como uma criança, trazer um olhar fresco e novo para as mesmas velhas situações e pessoas com quem interagimos? 

Nietzsche teria dito que a primeira tarefa da educação deveria ser a de ensinar a “ver”. Isso nos remete a um texto do escritor uruguaio, Eduardo Galeano:

 

“Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o Sul. Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando. Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza. E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai: — Me ajuda a olhar!”

 

Em algum momento mágico da vida podemos ter essa experiência bem real de encantamento experimentada por Diego. Essa experiência ensejou para ele uma descoberta. Toda descoberta é antecedida de um espanto, o famoso “a-há!”.  Sem a nossa participação permaneceria desconhecida. A partir desse ponto mudamos a maneira de ver as coisas, ou mesmo de compreender um determinado tema. 

Diego nutria uma expectativa tão intensa e um desconhecimento total do que era o mar, que sem ajuda ele não conseguiria olhar, mesmo estando à sua frente. Diego jamais será o mesmo após essa experiência – e talvez, arriscamos dizer, nem o mar. Para olhar de fato é necessário desnudar-se dos próprios conceitos. “O essencial é saber olhar”, como diz Alberto Caeiro, mas, “triste de nós que temos a alma vestida” prossegue ele, fazendo referência aos filtros mentais com os quais enxergamos o mundo. 

Podemos viver com determinada questão ou com um tema, por muito tempo até que tenhamos a coragem de abandonar o que foi aprendido, entregando-nos à autêntica contemplação; e subitamente nossos olhos se abrem. Essa experiência pode ser comum na vida de todos nós, mas o mais maravilhoso é que a nossa relação com o objeto da observação assume outra qualidade: o próprio objeto muda e nós também mudamos. O processo de criação pode se estabelecer quando passamos a ser conscientemente ativos nele. Ou não foi assim que nasceram as empresas mais inovadoras que conhecemos? 

Para Diego não bastava apenas ver o mar, ele precisava aprender a olhar. A partir daquele momento o mar passa a ser uma vivência transformadora da qual ele se apodera. Nessa experiência vive uma nova capacidade na alma do jovem. 

Admiração é diferente da mera curiosidade. Isaac Newton, ao ver a maçã cair, teve sua curiosidade despertada. Mas, se olhasse para a mesma macieira de outro modo ele seria preenchido pela admiração de ver a maçã surgir na ponta do galho, em vez de perguntar o que faz ela cair. Talvez a ciência teria tomado outros rumos. Tanto a força da gravidade como as forças de vida são invisíveis, porém a matemática deve ser outra. 

Ajudar pessoas e equipes a olhar suas jornadas de inovação é uma tarefa que qualquer um, dotado do interesse pela grande novidade que é um ser humano, pode assumir. Para isso seria conveniente não ignorar a capacidade criativa que está latente em cada pessoa. Não se trata de ensinar, mas sim de ajudar a olhar o novo. O potencial existe, latente. O que falta é liberá-lo de fatores que impedem sua realização. 

Como vivemos num momento em que o futuro parece que se recusa oferecer alternativas de per si, a saída que propomos é um novo aprendizado que desperta um estado de admiração e desenvolve novas habilidades direcionadas a ampliar o despertar da virtude inovadora.

Nosso trabalho consiste justamente em criar atmosferas, vivências e encontros que propiciem situações para este tipo de aprendizagem – uma aprendizagem desde dentro. De modo organizado, cuidado, amoroso, em respeito ao que há de especial e único em cada ser humano: sua capacidade de criar. 

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