Antes de mais nada, é importante entender que esta mudança nos diz muito sobre a estratégia da rede social e a nova interface do Instagram, sobre User Experience e trade-offs por conta de movimentos decorrentes da pandemia. Entender sobre as estratégias utilizadas pelo Instagram tem sua importância, sobretudo se você utiliza essa ferramenta para qualquer fim, de entretenimento a estratégias mais refinadas e agressivas de marketing e promoção de produtos e serviços.

Segundo o relatório da Hootsuit | We Are Social de outubro de 2020, a rede tem o potencial de sensibilizar 1,16 bilhões de pessoas,atinge 19% da população mundial acima de 13 anos de idade, sendo a sexta plataforma digital mais utilizada no mundo. O Instagram também apresentou uma taxa de crescimento entre o segundo e terceiro trimestres de 2020 de 7,1%, ou 76 milhões de buscas, maior que a taxa de crescimento do Facebook.

A abrangência e importância do Instagram para o marketing e promoção de serviços e produtos são inquestionáveis, pelo menos por enquanto. Contudo, no final de 2020 sua estratégia focou em dois eventos de grande magnitude, e isso fez com que a nova interface do Instagram passasse por mudanças significativas.

O primeiro fator é o rápido crescimento do TikTok, uma nova rede social chinesa com foco em vídeos curtos e que apresenta diversas ferramentas de edição de vídeos e efeitos visuais. Essa plataforma vem crescendo exponencialmente. Em 2017, a plataforma teve 129,4 milhões de downloads, e em 2018 este número teve um salto quântico e foi para 655,8 milhões. No primeiro trimestre de 2020, por conta da pandemia de COVID-19, os downloads do TikTok dispararam, e o aplicativo bateu o recorde histórico de downloads em um trimestre: 315 milhões. Além disso, a rede é a grande propulsora de conteúdos virais, e já é responsável por criar novos influenciadores digitais em tempo recorde, como Lorrane Silva, conhecida como Pequena Lo.

Apesar do Instagram ter quase o dobro de usuários que o TikTok, os números da rede chinesa são impactantes, e levaram o Instagram a criar um novo recurso chamado Reels: uma área de criação e edição de vídeos de 15 segundos e que, por hora, têm um alcance maior que as outras features da plataforma. Embora a informação não seja confirmada oficialmente pelo Instagram, quem trabalha com esta rede social diz que citar a rede concorrente TikTok diminui o alcance de todo seu conteúdo postado.

O segundo fator que foi considerado na mudança da nova interface do Instagram é o aumento das compras online, também por conta da pandemia. De acordo com o relatório Webshoppers, elaborado pela parceria entre Nielsen e Ebit, o primeiro semestre de 2020 apresentou um volume de faturamento 39% maior que o mesmo período de 2019. Também houve aumento de 6% do ticket médio entre o primeiro semestre de 2019 comparado ao mesmo período de 2020. O primeiro semestre de 2020 também bateu recorde histórico nos últimos 20 anos: 47% de crescimento de negociações online.

Esses dois fatores foram os responsáveis pela mudança da interface do Instagram, com o objetivo de promover suas duas novas ferramentas: Reels, para vídeos rápidos e que fazem frente ao TikTok, e Shop, a loja online do Instagram e que visa integrar o e-commerce na plataforma. As ferramentas em si fazem todo o sentido considerando o contexto global e visando manter o Instagram como plataforma relevante para entretenimento e promoção de produtos e serviços. O que desagradou muito os usuários foi a localização dessas features na tela, que passaram a assumir o local das opções de postagem de fotos e visualização de atividades e interações, que são muito utilizadas no cotidiano de uso da plataforma.

Como heavy user de Instagram, digo por experiência que segurando o celular com uma mão e interagindo com a tela usando só o dedão, era bastante cômodo ter as opções de postagem e análise de atividades na parte inferior da tela, e não na parte superior do novo layout.

Esse descontentamento generalizado é justificado pelo princípio da Localização (Findable), um dos pilares fundamentais de User Experience (UX). Esses pilares foram desenvolvidos em 2004 por Peter Morville, e são os elementos que fazem toda a diferença na experiência do usuário, e devem ser considerados nas estratégias de produtos e serviços de forma geral. Esses pilares são conhecidos como “User Experience Honeycomb”.

O princípio da Localização diz que o usuário deve encontrar tudo o que precisa de forma rápida e fácil, e sua jornada de uso do produto deve ser intuitiva, sem complicações ou obstáculos. Neste sentido, mudar radicalmente a localização de funções de alto uso fere diretamente este pilar e compromete a experiência de uso do Instagram.

Além disso, quando falamos sobre UX e satisfação durante a jornada, é preciso entender que há limites que devem ser respeitados pois são mais importantes que qualquer interface de cunho mais inovador ou disruptivo (e para saber o limite, é essencial conhecer seu público). Uma das Leis que têm relação direta com a análise sobre a nova interface é a Lei de Fitts: ela diz que quanto mais tempo o usuário leva para entender a interface, mais tempo ele demora para agir e, por consequência, pior será sua experiência. Alterar a interface radicalmente certamente fere esta Lei, já que o uso não é mais intuitivo e o usuário tem que pensar para fazer algo que antes era automático, simples e intuitivo.

Também podemos invocar a Lei de Jakob, cujo nome é uma homenagem a um dos pais da usabilidade e fundador da consultoria Nielsen: Jakob Nielsen. Esta Lei fala sobre as expectativas do usuário ao usar um produto ou serviço, e que quebrar com estas expectativas e com o senso comum pode ter efeitos desastrosos para seu negócio, já que os usuários tendem a passar mais tempo em outros sites que no seu. Dessa forma, não corresponder a uma expectativa pode diminuir drasticamente a preferência do usuário pelo seu site, produto ou serviço, frente a outros inúmeros concorrentes no mercado que podem proporcionar melhores experiências simplesmente por seguir a expectativa do senso comum.

Neste quesito, o Instagram se arriscou muito. Em sua análise de trade off, um dos fatores que pesou para a mudança da interface foi a falta de concorrentes que oferecessem todos os recursos e features que ele oferece. Certamente os concorrentes já existem no mercado, mas não contam com a capilaridade do Instagram e sua vasta cartela de recursos. Além disso, os concorrentes não foram pioneiros em features do entretenimento digital de alta adesão, como os stories (copiado pelo WhatsApp e até pelo LinkedIn), os filtros de imagem e vídeo e o IGTV (que, inclusive, foi desenvolvido para concorrer com o YouTube).

Outro ponto importante na análise de trade off e que vale a pena citar aqui é a Hierarquia das Necessidades do Consumidor, de Patrick Jordan. Essa hierarquia fala sobre os três níveis de relação que o usuário tem com o produto/serviço, do nível mais básico ao nível emocional: Funcionalidade – Usabilidade – Prazer. Segundo Jordan, não basta que um produto satisfaça apenas uma dessas necessidades; é preciso satisfazer a tríade por completo, e seguir a hierarquia conforme o diagrama abaixo. No caso do Instagram, sua funcionalidade se mantém, e houve impacto na Usabilidade, e isso indiretamente afetou a sensação de prazer dos usuários. Contudo, este impacto foi devidamente calculado para não inviabilizar o uso da plataforma, mantendo a sensação mínima de prazer dos usuários e sua relação emocional.

O movimento criado com a nova interface do Instagram, certamente foi arriscado e gerou muita insatisfação de todos os tipos de usuário, mas até que um concorrente a altura seja capaz de abocanhar seu share de mercado e apresentar features ainda mais inovadoras que façam as pessoas migrarem de plataforma, o Instagram terá o luxo de poder quebrar algumas das Leis de UX e desagradar momentaneamente sua base de usuários. Até lá, seguimos aguardando, monitorando e analisando, como bons heavy user que somos.