Antes de entrar no conceito de ecoinovação, vamos começar com uma análise breve do contexto de seu surgimento. Diante do cenário crítico de intensificação das mudanças climáticas, com consequências ainda não compreendidas nos âmbitos ambiental, sociopolítico e econômico, nota-se a emersão, nos últimas anos, da faceta ambiental da inovação como importante ponte para trilhar o desenvolvimento sustentável. Apesar de estar em voga nos debates desde 1980, a inovação enquanto ferramenta para a sustentabilidade foi subitamente alavancada pela pandemia de Covid-19, por agendas intergovernamentais, como a Agenda 2030, que trouxe para o diálogo os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
Além disso, o cenário pandêmico fez ressurgir dentro das companhias a agenda ESG, sigla que de certa forma esteve esquecida durante anos, porém agora se estabelece como um importante direcionador das estratégias de posicionamento das empresas frente aos desafios ambientais, sociais, de governança e, adicionalmente, serve como vitrine aos acionistas. Para saber mais sobre o ESG, confira nosso artigo. Vale ressaltar que esse movimento não acontece por acaso. As empresas ao longo das últimas décadas se viram cada vez mais pressionadas por:
- O crescente rigor de regulamentações no que tange a emissão de poluentes, sobretudo gases do efeito estufa e uso indiscriminado de recursos naturais;
- As mudanças geracionais que têm resultado em um mercado consumidor cada vez mais crítico, buscando produtos e empresas em sintonia com os preceitos da sustentabilidade; e, por fim,
- A competitividade acirrada, que impõem às empresas o constante movimento inovativo.
Mas afinal, como a inovação se conecta com a sustentabilidade?
Inovabilidade (Innovability) e Ecoinovação são dois termos que se destacam atualmente quando o assunto é inovação para a sustentabilidade. Mas, antes de embarcarmos nessa jornada, é preciso ter em mente que há um grande debate na literatura quanto ao termo e ao conceito que melhor definem a intersecção entre inovação e sustentabilidade. Ao que parece, encontrar um ponto conciliador que permita abarcar todas as nuances existentes em inovação e sustentabilidade tem demandado grande esforço dos estudiosos da área. “Inovação Verde”,”Inovação Ambiental”, “Inovação Sustentável”, “Ecoinovação” e, talvez o mais novo de todos, o “Inovabilidade” são termos, os quais conectam em seu corpo teórico a inovação à aspectos da sustentabilidade e que surgiram ao longo das últimas décadas na área acadêmica, dentro das empresas, em organizações governamentais, e em especial as organizações multilaterais.
Inovabilidade (ou innovability): o valor a ser compartilhado
O conceito que recentemente tem se destacado no mundo corporativo, quase como um efeito colateral positivo da pandemia de Covid-19, associa inovação à sustentabilidade por meio de uma ação colaborativa. Inovabilidade parte da ideia proposta no artigo “Creating Shared Value”, de Porter & Kramer, publicado em 2011 na revista Havard Business Review. Segundo o artigo, que se tornou referência para o desenvolvimento de uma visão sobre sustentabilidade dentro das empresas, o “valor compartilhado” tem o potencial de remodelar os negócios, a economia e sua relação com a sociedade. O valor compartilhado também pode impulsionar a próxima onda de inovação e crescimento da produtividade na economia global, pois visa garantir a criação de uma relação estreita entre os stakeholders e ao mesmo tempo oferecer soluções para questões socioambientais.
Enquanto as empresas se apropriam do conceito e o colocam em prática, fica evidente que para efetivar as inovações voltadas para a sustentabilidade deve haver uma mudança de paradigma dentro das organizações. Portanto, a inovabilidade deve ser um dos pilares da gestão estratégica e não apenas mais uma área ou setor da empresa que, vez ou outra, é acionado, como proposto por Lima, Peru:
“A convergência entre inovação e sustentabilidade em estratégias para o desenvolvimento de produtos, processos, serviços, uma mudança organizacional, estratégias de marketing ou modelos de negócios (ou em combinação destes) que busca mais competitividade por meio de práticas sustentáveis.” (DE LA VEGA HERNÁNDEZ; DE PAULA in Kybernetes, 2020)
O que é Ecoinovação?
“Ecoinovação remete as formas de inovação, sejam ou não tecnológicas e as quais criem oportunidades de negócio, de produtos, bem como beneficiem o ambiente, evitando ou reduzindo o impacto ambiental ou, ainda, otimizando a utilização dos recursos. Assim, esse conceito está estreitamente relacionado com o modo de utilização dos recursos naturais e os padrões de produção e consumo, além de se relacionar com dois conceitos presentes na Economia Circular: a ecoeficiência e a ecoindústria”.
A ecoinovação em convergência com a Economia Circular foi conceituada pelo Observatório de Ecoinovação (EIO, sigla em inglês), programa responsável desde 2009 por monitorar e incentivar o desenvolvimento da inovação voltada à sustentabilidade em todo o bloco da União Europeia. O EIO elaborou uma base de dados online, atualizada periodicamente com resumos e índices que orientam sobre as principais tendências da aplicação da ecoinovação em cada país, além de explicar como e porquê ela deve ser apoiada por empresas, governos e pela sociedade. Segundo o Relatório Bianual do Observatório de Ecoinovação (EIO 2018), esse fenômeno tem sido uma ferramenta fundamental ao encorajar as empresas a transitarem para um modelo de cadeia fechada, que minimiza os fluxos de materiais e de energia, aumenta a eficiência dos processos e resulta em produtos passíveis de retornarem a cadeia produtiva. Ainda, os investimentos em ecoinovação podem aliar ganho de competitividade econômica a benefícios sociais. Para se ter ideia, o Plano de Ação para a Ecoinovação do bloco europeu (EcoAp) contou, em 2020, com o investimento de 430 milhões de euros, distribuídos em diversas áreas.
Quais aspectos estão envolvidos na adoção da ecoinovação?
Michel Porter e Linde, em 1995, elegeram a imposição de normas ambientais como o principal fator impulsionador das ecoinovações, uma vez que o rigor legal induziria as empresas a procurarem nas inovações formas de reduzirem os custos de mitigação de danos ambientais, contornarem o aumento no valor dos seus produtos e, consequentemente, posicionarem-se competitivamente no mercado.
Alguns estudos recentes corroboram com a Hipótese de Porter e Linde, e colocam as regulamentações como principal fator impulsionador das ecoinovações. Apesar disso, ao fazermos um recorte para o cenário nacional, o que se tem observado em alguns levantamentos, é que outros aspectos impulsionam esse tipo de inovação. No caso das indústrias brasileiras de eletrônicos, por exemplo, um estudo apontou que as regulamentações não foram o primeiro fator motivador, apesar das empresas que participaram da pesquisa terem revelado informações importantes sobre as regulamentações ambientais. Dessa forma, a Política Nacional de Resíduos (PNRS), a qual objetiva a prevenção e a redução na geração de resíduos, tem como proposta a prática de hábitos de consumo sustentável aliada a um conjunto de instrumentos que propiciam o aumento da reciclagem e da reutilização dos resíduos sólidos. Essa política foi a que teve maior relevância segundo o estudo e, talvez por isso, o segmento seja o mais bem sucedido em lidar com os resíduos gerados.
Em um levantamento realizado com dados da Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC), no período de 2015 a 2017, identificou-se quais os principais fatores motivadores para implementação de ecoinovação na indústria de transformação do Brasil. O estudo apontou que para as empresas que tiveram inovações com impacto ambiental, as regulamentações seriam o quarto fator motivador, precedido, consecutivamente, da busca por redução de custos de produção, de boas práticas ambientais e da reputação da empresa.
Empresas inovadoras e a Ecoinovação
Chamadas de Ecoinovação ou Inovabilidade, essas iniciativas estão, há anos, permeando as organizações dos mais variados segmentos. Muitas, inclusive, não necessitam fazer grandes esforços para se adaptarem às novas exigências impostas pelo mercado consumidor, pelas regulamentações e pela concorrência, dada a expertise acumulada por essas organizações ao longo de anos ou décadas, ao optarem por direcionar estrategicamente o negócio, colocando-o em sintonia com conceitos da Economia Circular, da Logística Reversa, da Ecoindústria, da Simbiose industrial etc.
Quando se olha para as organizações inovadoras, pode-se dizer que são as mais ecoinovadoras ou as com maior potencial para implementar a ecoinovação. No setor eletrônico brasileiro, por exemplo, das 48 empresas participantes da pesquisa “Fatores determinantes da ecoinovação no complexo eletrônico Brasileiro”, publicada na Revista Brasileira de Inovação, em 2021, 89,5% disseram ter realizado algum tipo de inovação nos últimos anos; desse percentual, 77% declaram ter realizado algum tipo de ecoinovação no mesmo período. Em complemento, um estudo realizado na Espanha, em 2020, mostrou que a ecoinovação também necessita de um “acúmulo criativo”, isto é, de um processo semelhante à obtenção de capacilities de inovação e que serve de solo fértil às subsequentes. Por sua vez, as capacilities tecnológicas da indústria automobilística, que envolvem vultosos recursos financeiros e humanos para alcançar eficiência, bem como melhorias tecnológicas e novos produtos, propiciaram a criação dos carros elétricos, que, em última análise, é fruto da ecoinovação.
Intersecção entre Inovação Aberta e Ecoinovação
As novas tecnologias disruptivas têm determinado a capacidade de inovação das empresas, inclusive dentre as pequenas e médias. As tecnologias digitais otimizaram o fluxo constante e bidirecional de informações e conhecimentos entre redes complexas de stakeholders, o que caracteriza os sistemas de inovação aberta. Dessa forma, dado o grande desafio que representa a criação de valor ambiental, a coleta de informações fora dos limites da empresa (práticas inbound), propiciada pela inovação aberta, não favorece somente o desenvolvimento das ecoinovações, como também significa maior eficiência para a criação simultânea de valor econômico e ambiental.
Nesse sentido, as organizações podem se valer estrategicamente de diferentes fontes de mercado para identificar e criar inovações que aumentem a proposta de valor baseada em atributos sustentáveis. Compreender a dinâmica existente, e se há sinergia entre as diferentes fontes externas de conhecimento, é essencial quando se deseja alcançar ecoinovações eficazes. Foi exatamente isso que Sanchez-Henriquez e colaboradores (2021) mostraram em uma pesquisa conduzida com mais de 2.800 empresas no Chile: fontes de conhecimento de mercado como clientes, fornecedores, consultores – e até mesmo concorrentes – têm relação positiva com o desempenho das inovações voltadas para sustentabilidade e, quando combinadas, podem maximizar os resultados obtidos. No entanto, ressalva-se que o gerenciamento estratégico do processo é imprescindível para reduzir o tempo e os recursos financeiros investidos.
Segundo esses autores cada ator pode contribuir da seguinte forma para o desenvolvimento de ecoinovações:
- Os clientes fornecem informações preciosas que podem originar insights para o desenvolvimento de produtos, otimização de processos e serviços. O cliente estará disposto a pagar mais por uma ecoinovação, de acordo com a percepção de valor socioambiental atrelado ao consumo. Além disso, as novas gerações trazem novas exigências e um novo olhar sobre o consumo, o que não apenas impulsiona inovações capazes de romper com os paradigmas atuais, como também, podem apontar para necessidades e tendências futuras.
- A colaboração entre empresa e fornecedores pode ser encarada, estrategicamente falando, como a mais importante para o desenvolvimento das ecoinovações. A partir do estreitamento entre as relações desses dois atores, novas tecnologias podem ser inseridas no processo produtivo, matérias-primas com características específicas podem favorecer o ecodesign de produtos e a logística reversa, o que significa maior eficiência e valor agregado ao ciclo produtivo.
- Como o objetivo das ecoinovações não é apenas melhorar a competitividade e desempenho econômico das empresas, mas também impactar positivamente o meio ambiente e a sociedade, se faz necessária a cooperação entre empresas concorrentes. Esse tipo de interação é benéfico pois possibilita vislumbrar oportunidades futuras para todo um segmento econômico, encontrar gaps e soluções a longo prazo.
O desenvolvimento sustentável passa pela efetiva incorporação da sustentabilidade dentro das organizações. Como ferramenta capaz de cumprir essa missão, a ecoinovação deve fazer parte da estratégia da empresa, respaldada e incentivada pela liderança, em um movimento que busque integrar todos os stakeholders e de modo a produzir soluções de longo prazo que beneficiem toda cadeia de valor, a sociedade e o meio ambiente. Com o olhar voltado para um futuro almejado, o relatório da Deloitte “Connect for Future” mostrou que a Inovabilidade será uma pré-condição para interpretar e gerir corretamente o cenário pós-pandemia e despertará círculos virtuosos e positivos que podem otimizar a recuperação econômica e social que será mais inovadora, “verde”, justa e com equidade para todos.
Para complementar, é válido mencionar que o Brasil possui vocação para sustentabilidade em razão de suas reservas naturais, da biodiversidade e, ainda, por se tratar de um país com infraestrutura e em desenvolvimento tecnológico e, portanto, com possibilidade de adoção de novas tecnologias para atender exigências da sustentabilidade sem demandar alterações significativas na conformação da infraestrutura. Por fim, Barbieri e colaboradores (2010), concluem que “o modelo das organizações inovadoras sustentáveis vem ganhando rapidamente cada vez mais espaço nas empresas líderes. Esses fatos permitem dizer que o movimento do desenvolvimento sustentável é um dos movimentos mais importantes do nosso tempo”. E a julgar pelo avanço das medidas institucionais em todo mundo para lidar com as mudanças climáticas, pode-se esperar que esse movimento continuai a se propagar por gerações e gerações.
Fontes:
• Fatores determinantes da ecoinovação no complexo eletrônico brasileiro.
• The Big Idea: creating shared value. How to reinvent capitalism – and unleash a wave of innovation and growth. Porter, M.E. and Kramer, M.R., 2011.
• Ecoinovação: revisitando o conceito. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada-Ipea.
• Ecoinovação: o segredo da competitividade futura da europa. Ecoinovação segundo a Comissão Européia.
• Fatores motivadores da inovação ambiental nas indústrias de transformação. Dados da PINTEC 2017.
• The effect of open innovation on eco-innovation performance: the role of market knowledge sources.
• Connect for future – innovability: towards a more ethical world, driven by sustainable innovation.
• Scientific mapping on the converge of innovation and sustainability (innovability): 1990 – 2018.